sábado, 3 de novembro de 2012

"Vou sentir sua falta..."

"vou sentir sua falta", ela disse. ele, manteve um ar descrente e não deu grandes importâncias àquelas palavras que, para ela, no seu mundo já danificado, significavam muito. ela sabia que sentiria falta; ela sabia que, dentro de si, alguma coisa havia mudado. aquela proteção que ela havia criado, aquela frieza que ela cultivara havia tempos, com esmero e delicadeza, foi retirada sem se perceber. de repente, todo o auto-controle e a sensação de sempre saber o que não sentir já não estavam mais sob seu alcance. um momento de cumplicidade havia sido o suficiente para levar abaixo sua já previamente conhecida indiferença emocional. e, num segundo, a indiferença se transformou em prazer; o medo se transformou em abraço; o toque se transformou em carinho; e uma noite qualquer ganhou um motivo para ser simplesmente memorável. "eu gostaria que você acreditasse nisso", ela insistiu. e ele, mergulhado em suas próprias friezas e conceitos, preferiu não prestar atenção à entrega contida naquelas palavras. uma entrega, por si só, suficientemente recatada para transparecer o medo e a insegurança. ela sabia que há tempos não entregava seu coração aos cuidados de outro homem, ela sabia muito bem que estava correndo muitos riscos. ele, por sua vez, pensando apenas que havia sido apenas mais uma noite a contar, não imaginava o sacrifício que havia sido para ela conseguir proferir aquelas palavras doces ao pé do ouvido. com as mãos suando, tremendo, e os olhos úmidos, ela suspira ao concluir sua discreta e contida rendição. "vamos dormir", ele disse. e ela, mais uma vez sentiu no peito a dor da rejeição já conhecida de outras primaveras. o que dizer? o que pensar? olhar as roupas no chão e lembrar de detalhes de uma noite que, no momento, ela já não quer mais guardar como lembrança. e então ela fecha os olhos, deixando escorrer lentamente uma lágrima morna e solitária no peito daquele que a provocou.

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